Lisboa (Portugal)–Marrakesh (Marrocos) – 800 km

Os grandes amigos-pilotos-Earthrounders, António e Delfim, com o Ximango em Cascais.

Os grandes amigos-pilotos-Earthrounders, António e Delfim, com o Ximango em Cascais.

16 de setembro de 2001

Rio de Janeiro está ainda distante por 10.000 km. Foi outro lindo dia em Portugal, e desta vez sem ventos. Quando alcancei o Mediterrâneo, encontrei a mesma bruma seca de areia que dificultou todos os meus vôos no lado leste do continente africano: o horizonte sumiu novamente e mal distinguia o mar logo abaixo. Sem condições em fazer um desvio para ver a Rocha do Gibraltar!

Mesmo antes da tragédia nos Estados Unidos, Marrocos tinha muitas zonas onde é proibido voar.

Ao cruzar o Estreito de Gibraltar, a Rádio Tanger já me vetorizou para longe. Meu amigo Flemming, em Genebra, tinha me dado uma cópia das cartas especiais VFR de Marrocos. Me senti um completo idiota por tê-las deixado dentro da minha mala, enfiada atrás do meu assento onde era impossível abrir durante o vôo. Quando o controlador requisitou meus estimados de vôo para os pontos VFR, tive que admitir que não sabia. A primeira reação dele foi me obrigar a pousar em Tanger para obter as cartas. Eu trocava o inglês para o francês, argumentando que o motoplanador demora muito para ganhar altitude. Funcionou: ele me deu as coordenadas GPS para os pontos a serem reportados. Foi o primeiro exemplo da hospitalidade e boa vontade marroquina.

A 5.500 pés quase não consegui avistar o solo, mas com o novo piloto automático, não tive problemas em manter o Ximango nivelado. Percebi o quanto tinha sofrido sem piloto automático naqueles vôos difíceis pelas monções do Sudeste Asiático e a areia do Oriente Médio. Perto de Marrakesh, a visibilidade melhorou e pude distinguir a vaga forma das montanhas Atlas atrás da cidade. As centenas de complexos hoteleiros me surpreenderam. Não gostei de ver tanta água jogada fora para fazer quarto campos de golfe, desperdiçando um bem tão precioso no deserto para um objetivo tão fútil: quando nós começaremos a dar à água o valor merecido? Qual é a próxima futilidade no deserto? Pistas de esqui?

Depois de pousar, Mansur, o chefe do tráfego terrestre, me deixou passar da área de segurança para Briefing Room. Senti algo estranho neste aeroporto e finalmente descobri o que era. Sem exceção, todas as pessoas eram sorridentes e prestativas. Expliquei para Mansur que ia sair do aeroporto mais tarde porque queria trabalhar na aeronave. Na verdade, tinha que esperar duas horas para fazer a transmissão do avião para o Fantástico. Mansur sugeriu que eu fizesse alfândega e imigração somente quando estivesse saindo do aeroporto. Pela segunda semana consecutiva, a transmissão demorou muito por uma pessoa não ter aparecido no estúdio no Rio (mesmo não sendo um dia de sol para ir à praia). Como se eu não tivesse mais nada para fazer, se não ficar esperando no asfalto de um aeroporto em pleno Saara! Depois de esperar mais duas horas, finalmente consegui mandar as imagens via satélite através da linha ISDN da Embratel.

Quando me apresentei na imigração, quase 5 horas depois de aterrissar, houve um auê. “É você Monsieur Moss? Nós estamos lhe procurando por todos os lugares. Mandamos agentes especiais até o hotel que você indicou.”Eles pensaram que eu tinha fugido para a cidade sem fazer alfândega! Estava intimado a comparecer na Inspetoria Geral, mas quando perceberam que os controladores sabiam onde eu estava o tempo todo, eles se desculparam e me deixaram ir.

Mas a confusão não terminava por aí. Quando cheguei no hotel no centro da cidade, percebi que era muito barulhento e quis procurar outro. O motorista de táxi foi chamado para dentro do hotel e voltou muito nervoso. Pedi que encontrasse um hotel em uma rua mais calma e ele dirigia sem dizer nada. Quando ele parou para conversar com um policial, pensei que o tinham detido. Depois disso, ele acelerou na direção do aeroporto, dizendo que tinha que pegar alguns passageiros com urgência. Agarrei a direção e fiz força para fazer ele parar. Ele estava atônito quando sai do carro com minha bagagem, e voltou logo com outro policial. Mais uma vez, eu estava sob custódia!

Não entendi nada da conversa deles, mas finalmente adivinhei o que estava acontecendo. Estando na frente do Hotel Mamounia, perguntei se poderia fazer o check-in enquanto eles discutiam o meu caso. Permissão negada. Pus minha bagagem na calçada e esperamos. Mais policiais vieram, discutindo nervosos pelos rádios. Passaram 30 minutos antes de terem a confirmação do aeroporto que a Ordem de Busca por mim tinha sido cancelada e eu não era mais um homem procurado. Eles se desculparam muito, culpando o pessoal do aeroporto por não terem avisado eles antes. Paguei o táxi (ele até me deu um desconto!) e tudo ficou bem. Tenho que dizer que mesmo sob estas circunstâncias, eles foram extremamente cordiais e apesar do mau-entendido, me sinto completamente à vontade por aqui em Marrocos.

Então, para comemorar vou atrás de um bom cuscus…

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