Bhopal-Mumbai-Ahmedabad (Índia) – 1.110 km

Para sobreviver à burocracia, os indianos aprendem ter muita paciência. Foto Gérard Moss

Para sobreviver à burocracia, os indianos aprendem ter muita paciência. Foto Gérard Moss

20-21 de agosto de 2001

Cheguei de volta ao aeroporto de Bhopal às 05h30, bem a tempo para fazer uma rápida transmissão para o programa Fantástico usando o telefone satelital e a conexão Embratel para ligar para a Rede Globo. Durante toda aquela semana, não consegui mandar as imagens que tinha gravado já que, como disse antes, fui proibido a usar as câmeras.

Após tantas encrencas na noite anterior, todo o mundo resolveu ser prestativo, especialmente o pessoal da Torre que chegou mais cedo especialmente para me atender. Decolei às 06h15. Não foi um vôo perfeito – havia neblina, e tive que subir acima da camada. Depois de algum tempo, temendo ficar preso acima da camada, encontrei um buraco para descer. Porém, voando a baixa altitude, tive que ficar super atento aos fios de alta tensão. Perto de Mumbai (antiga Bombaim), surgiu a cadeia de montanhas Western Ghats e tive que subir novamente. Levei um tempão para chegar a 10,000 ft (3.000 m) e logo depois, tive que descer porque estava me aproximando da cidade.

Queria pousar logo no aeroporto de Juhu onde Mr. Anish Goel, da Victorinox, me esperava com uma enorme coletiva de imprensa. O Controle avisou que teria que pousar primeiro no aeroporto principal porque apenas 400 metros da pista de Juhu eram operacionais devido a um problema de “inundação”. Afirmei que poderia pousar em 400 metros e tentei convence-los a me deixar sobrevoar a pista para verificar. Negativo. Trocaram o discurso e começaram a dizer que apenas 400 pés (220 m.) e não metros eram utilizáveis. Com isso, desisti e pousei em Mumbai.

Eram 10h45. A imprensa me esperava desde as 10h00. Levei mais 30 minutos para conseguir o acordo das autoridades para sobrevoar Juhu onde vi logo que a tal inundação era apenas um charco. Pousei sem dificuldades. Fiquei surpreso de ver quanta gente da imprensa indiana me esperava. A equipe Victorinox fez um trabalho admirável de conseguir trazer tantas pessoas àquele aeroporto, visto os infindáveis obstáculos a tudo ligado à aviação no país.

A parada que fiz em Bhopal devido a mau tempo no dia anterior me deixou sem tempo para descansar e visitar Mumbai, como foi planejado. Anish me convidou a um restaurante onde comemos especialidades indianas que justificam uma viajem de meio-mundo. Imediatamente após o jantar, apaguei no magnífico hotel Orchid. No dia seguinte, não sabia como orientar o motorista do táxi. Há vários terminais no aeroporto: doméstico velho, doméstico novo, e idem para o internacional. Optei pelo terminal internacional velho, justamente onde saí do aeroporto no dia anterior. O primeiro desafio foi entrar nesse terminal: precisei provar que eu era um passageiro e eu não tinha como fazer isso. Dizer ao guarda que eu sou piloto era inútil. Aí, queria achar alguém confiável que guardasse minha mochila de 20 kg, que continha equipamento importante, enquanto corri de um lado ao outro para fazer toda a papelada. Isso também era impossível porque ninguém quis assumir o risco de ter uma bomba explodindo aos seus pés. Perguntei como chegar ao “Briefing Room”, a sala AIS, para fazer o plano de vôo: nunca ouviram falar de tal coisa. Por fim descobri. Foi transferido para outro terminal.

Ai, meu caminho foi fechado por um tal de Mister Danhatamkar, chefe da segurança. Ele roubou uma hora da minha vida. Ele cismou que eu teria que mostrar para ele a permissão de pouso. Não imagino o que significava isto porque todos os meus papeis oficiais e o fato de que o avião já havia pousado em terra firme, não foram suficientes para fazê-lo mudar de idéia. Na verdade, não sei bem o que ele queria, mas era algo que eu não tinha. Uma complicação danada. Mesmo o gerente do aeroporto, Mr. Santran, que veio me ajudar, não conseguiu convencer “a peça” que a sala AIS é justamente para servir aos pilotos. A melhor maneira que Mr. Santran achou de provar que sou piloto (minhas carteiras de identidade não têm validade por aqui porque não foram emitidas pelo governo indiano!) era mostrar a página principal do maior jornal, The Times of India, onde constava uma grande foto colorida do Ximango comigo ao lado. Ainda assim, Mr Danhatamkar levou mais um tempão antes de decidir me liberar. Não porque sou piloto, mas porque minha foto estava no jornal!

Se eu for contar todo o rolo que é fazer um plano de vôo na Índia, vocês nem vão acreditar. Passei por barreiras incontáveis, andei vários quilômetros entre os prédios de todos os terminais, preenchi dezenas de formulários com papel carbono que tiveram que ser assinados e carimbados por pessoas ausentes, paguei a metade das taxas de pouso em um terminal e outra metade em outro, e por ai adiante… Uma experiência fascinante se não fosse tão desgastante e inútil. Entre a hora que cheguei no aeroporto e o momento que liguei o motor do Ximango, passaram 4 horas e 15 minutos. Tudo isso para um vôo doméstico de duas horas e meia até Ahmedabad, sem precisar fazer a Imigração e a Alfândega!

Voar é a parte mais fácil. Prefiro enfrentar tempestades no ar do que má vontade no solo. Uma hora fora de Mumbai, sumiram as nuvens e voei pelo céu azul até Ahmedabad. Mais uma vez, Victorinox tinha organizado uma coletiva de imprensa, agora no suntuoso hotel Taj Residency Ummed. Depois de um bom prato de curry com Pankaj, Vibha e seus amigos tive que pedir licença para me retirar. Ia me levantar com os passarinhos, para uma longa travessia do Mar da Arábia até Mascate, no Omã.

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