Nome–Shishmaref–Nome – 390 km

O vilarejo inuit de Shishmaref que está sendo engolido pelo mar. Foto Gérard Moss

O vilarejo inuit de Shishmaref que está sendo engolido pelo mar. Foto Gérard Moss

25 de julho de 2001

Havia um “fog” bem londrino lá fora quando acordamos, e como não havia muita opção, fomos para a lavanderia. A neblina se dispersava aos poucos e por volta das 10 horas, estávamos no aeroporto. Fizemos o plano de vôo no dia anterior para o vôo para Provideniya e Anadyr passando por Gambell na ilha de Saint Lawrence. Infelizmente, Gambell continuava com um teto de apenas 100 pés (30 metros) e 1,5 milhas de visibilidade. Enquanto esperávamos, fiquei consertando a trilha do canopy, quebrada desde a Costa Rica. A temperatura era de agradáveis 10 graus, com pouco vento. É o vento que mata por aqui, reduzindo a temperatura mais ainda.

À tarde, Anna do Nome Nugget, “o jornal mais antigo de todo o Alasca” veio nos entrevistar e tirar algumas fotos. E, aí aconteceu uma destas coincidências da vida que nos deixa perplexos. Na sala AIS, onde a equipe tem sido muito prestativa nestes últimos dois dias, estava uma delegação de representantes da Aviação Civil Russa. Vitali, Alexander e Vladimir acabavam de chegar de Anadyr. Não demorou para descobrir que tinham amigos em comum com Yakov. Mais incrível para mim era que os três se lembravam de terem recebido um telegrama de Moscou há algumas semanas, avisando da chegada de um vôo muito especial, o Ximango PT- ZAM do Brasil.

O motivo da visita deles em Nome era precisamente de conversar com os americanos sobre a criação de um corredor VHF (corredor para vôos visuais) entre a Alasca e a Sibéria. Era justamente o assunto que eu estava discutindo um dia antes na estação FSS. Hoje, os vôos visuais são obrigados a prosseguir diretamente sobre o perigoso e gélido Mar de Bering ao invés de facilmente seguir uma rota um pouco mais longa porém muito mais segura, sempre ao alcance da terra em todo o caminho. Na sua parte mais estreita, o Estreito de Bering só tem 80 km de largura, com as duas ilhas Diomede situadas bem ao meio.

Pelo final da tarde, ainda estávamos esperando para decolar para Gambell onde o teto de 30 metros não parecia querer aumentar, mesmo que o tempo em Nome estava melhorando com raios de sol perfurando a fina camada de nuvens a uns 1.000 pés de altura. É impressionante a rapidez com que nos adaptamos a um novo ambiente e um padrão de referência diferente. No aeroporto Santos Dumont, num aterro nas águas da Baía de Guanabara, Rio de Janeiro, onde não há o mínimo perigo de “icing” (pegar gelo nas asas), há pânico quando o teto cai para 1.500 pés. As autoridades correm para fechar o aeroporto para o tráfego visual só porque não é possível ver quem está no restaurante no topo do Pão de Açúcar devido à bruma seca, mesmo que tiver o maior sol e nenhuma nuvem no céu.

Desde que cheguei aqui no Norte, acima do paralelo 50, eu me acostumei a voar com dois quilômetros de visibilidade em regiões extremamente remotas e até em áreas montanhosas. Um teto de 300 pés está ótimo para uma operação ao longo da costa. Um teto de 500 pés é considerado um ótimo tempo por aqui enquanto 800 pés, bom, é um perfeito dia para voar! O mísero teto de 100 pés em Gambell não desanimou em nada o Comandande Yakov! Sou eu que não quero decolar para um vôo de duas horas sobre a água gelada rumo a um aeroporto com um teto tão baixo! Acho que preciso passar mais tempo voando no Alaska e na Sibéria para ter mais sangue frio.

Como eu não estava disposto a ir até Gambell nessas condições, fizemos um vôo de “flight-seeing” ao norte até a remota comunidade de pescadores esquimós chamada Shishmaref, a um passo do Círculo Polar Ártico onde o teto era um magnífico 1.300 pés! Fomos convidados para tomar chá com Alan e Molly. Eu queria muito visitar este vilarejo porque é mais um exemplo de um lugar que está sofrendo diretamente com os efeitos do aquecimento global. As casas estão sendo destruídas pelo aumento do nível do mar e muitas pessoas têm que mudar de casa a cada ano. Os habitantes eram incrivelmente calorosos, e eu amaria retornar por lá para passar um bom tempo com eles. De preferência no verão. A temperatura era de 7 graus C. Nada mal, considerando que eles são cercados por água gelada. O vôo de volta para Nome foi estonteante. Todas as nuvens tinham desaparecidos e tínhamos uma perfeita vista do final do Brooks Range, última cadeia de montanha no Alasca antes do Pólo Norte.

À noite, jantamos com a delegação russa e Mat, do FSS. Claro, tiveram muitos brindes e discursos, todos regados com cerveja. Que cerveja? Coronas mexicanas! Imagine, mesmo lá tão perto do Ártico. Voltamos ao apartamento às 23h30, ainda com o sol forte. Tive que fazer meus deveres cotidianos: descarregar os dados da pesquisa ambiental, selecionar e editar as imagens de vídeo, selecionar as fotos digitais, responder e-mails urgentes e escrever o diário. Já são duas da madrugada de novo! Vou dormir minhas quatro horas habituais. E ainda assim, todo dia, eu escuto as pessoas dizerem: “Como você é sortudo de sair por aí, dando volta ao mundo…”

Amanhã, pretendemos decolar para Gambell, apenas sobrevoando o lugar se o teto estiver ainda muito baixo, e prosseguir via Provideniya (sem parada lá, a princípio) para Anadyr.

Umas 500 milhas de viagem, incluindo os desvios para ficar próximo à terra quando possível.

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