Mascate (Omã)-Djibuti – 2.170 km

O Palácio Al Alam, Mascate. Observem a névoa seca, areia fina no ar. Foto Gérard Moss

O Palácio Al Alam, Mascate. Observem a névoa seca, areia fina no ar. Foto Gérard Moss

23 de agosto de 2001

Decolei antes do sol nascer. Foi a primeira vez que voei no Ximango na escuridão e fiquei feliz de constatar que as luzes de navegação e de táxi funcionam perfeitamente. Usei uma lanterna de cabeça para ver os instrumentos. Ao decolar, levei um susto com a temperatura do óleo que estava por volta de 240 graus. Nivelei a 2.000 pés (600 m) e deixei o óleo esfriar um pouco. Os morros atrás do aeroporto começaram a aparecer na luz do sol que nascia, me dando claridade suficiente para voar entre eles porque eu não tinha condições de subir mais. Foi lindo, e estava contente, mantendo 2.000 pés durante a primeira hora do vôo.

Seria meu maior vôo non-stop até agora: 1170 milhas (2170 km). Aproando o oeste, ia ganhar uma hora. Mesmo se o vôo demorasse 13 horas, ainda pousaria em Djibuti com luz do dia. Tudo isso porque a Arábia Saudita não aprovou meu pedido de sobrevôo e pouso em Jeddah, mesmo solicitando a autorização há cinco semanas. Por causa disso, tive que mudar a rota na última hora. Eu me vi obrigado a contornar a Península Arábica, adicionando 1.500 km à rota original. A equipe no Brasil agiu rápido com a agência FSI na Alemanha para conseguir as autorizações de vôo por 5 outros países, bem mais eficientes – Iêmen, Djibuti, Etiópia, Eritréia e Sudão – em apenas 24 horas.

O avião estava carregado de combustível: 290 litros. Um bom teste para a travessia do Atlântico na volta ao Brasil daqui um mês. A temperatura do óleo me preocupava sempre, sobretudo levando em conta a temperatura relativamente baixa do ar tão cedo pela manhã. Nivelado a 2.000 pés, a temperatura do óleo caiu para 230 graus, mas estava conseguindo apenas 95 nós (175 km/h) – insuficiente para alcançar meu destino com reserva de combustível. Subi pouco a pouco, 100 pés de cada vez, e levei um tempão para atingir 5.000 pés (1.500 m). A velocidade no solo aumentou para 105 nós (195 km/h), então curti a paisagem do deserto. Os três litros adicionais de água que coloquei a bordo não iam adiantar muito em caso de pouso forçado. Felizmente, a comunicação por rádio VHF em Omã é excelente. A maioria das conversas no rádio começam com a frase “Salaama ALeikum” e os estimados de vôo são dados assim: “Reportando Masquate Inshallah (se Deus quiser) às 0230.”

Tecnicamente estou em vôo VFR, sempre mantendo contato visual com o solo, mas na prática, eu estava voando por instrumentos devido à bruma seca. Meus olhos, grudados ao painel de instrumentos, passavam rapidamente entre o horizonte artificial, o rumo do GPS (graças a Allah para meu Garmin 430) e a altitude. Foi exaustivo. Xinguei o piloto automático por ter me deixado literalmente na mão. Após 3 horas de vôo, meus olhos ardiam devido ao estresse de passar constantemente de um instrumento a outro e tentar focalizar neles. Tive que corrigir o rumo e a altitude a cada 2 segundos, ou seja 360 vezes por hora. Estava enloquecendo. Fechei os olhos por alguns segundos e os deixei descansar. Tinha completado apenas um terço do vôo. Tive sérias dúvidas se iria conseguir manter esse ritmo por mais 8 ou 9 horas. Às vezes, me deu um branco – pra que lado devo virar o avião? Quando sacudia a cabeça, tudo voltava ao normal, mas até então, as correções necessárias eram muito maiores. Às vezes, deixava o Ximango seguir o caminho que bem entendesse enquanto olhava o mapa ou procurava a garrafa de água. Inevitavelmente, saia uns 40-50 graus do rumo ou despencava 500-700 pés.

A certa hora, pedi autorização ao controlador de voar direto para o ponto de reporte KAPET para economizar 20 milhas. O controlador, com perfeito sotaque inglês, me respondeu num instante “Por aqui, eles não vêem com bons olhos aviões que saiam da aerovia. Há muita atividade militar na região.” Tá bom. Entendi o recado.

A cidade de Salalah estava ficando perto. Eu sentia um cansaço monumental e contemplava pousar logo ali. Mas já estava a 10.500 pés (3.200 m) de altitude, a temperatura do óleo estava estável e a velocidade no solo, uns 115-120 nós (220 km/h), bem encorajadores. Tudo isso me deu ânimo para continuar. Quando alcancei a costa, pelo menos o mar me deu um horizonte vago, e pude finalmente focalizar meus olhos em alguma coisa concreta, fora do cockpit.

As horas foram passando muito, muito devagar. Após dez delas, estava no través de Aden, no Iêmen, e faltavam apenas 136 milhas para Djibuti. O boletim meteorológico indicava ventos de 35 nós (65 km/h) a 5.000 pés vindos do oeste, o que reduziria minha velocidade drasticamente. Pelo GPS, calculei que os ventos onde eu estava eram de 10 nós (18 km/h), do noroeste. O mar estava calmo, então deduzi que o boletim estava errado. Comecei uma longa descida até Djibuti, bem devagar para aproveitar o aumento de velocidade. A Torre de Djibuti tinha avisado que o vento era calmo. De repente, a 7.500 pés (2.200 m), o avião começou a tremer todo e foi jogado por todos os lados. Reduzi a potência em seguida, levantei o nariz e diminui a velocidade antes de causar algum dano à estrutura do Ximango. A turbulência foi incrível. A velocidade caiu para 75 nós. Era uma fortíssima corrente de vento quente, jateando areia a 35 nós como previa o boletim. Somente escapei dela a chegar a 1.500 pés (500 m) acima do mar.

Os trâmites em Djibuti foram facílimos. Levei dois minutos para preencher um formulário para entregar ao gendarme, o passaporte não foi necessário – segundo norma do ICAO que respeitam por aqui, ao contrário da Arábia Saudita – e foi só. Novo recorde! Reabasteci de um barril e medi o consumo do ultimo vôo: 19.1 litros/hora na menor potência possível sobrevoando um deserto. Legal. Para o Atlântico, se eu não planar nada, devo ter ainda três horas de reserva ao chegar a Noronha. Inshallah, como dizem por aqui!

Amanhã, vai ser o primeiro dia que vou passar em terra há oito dias, voando 8.000 km. I need a break! Mas não vai ser uma folga. Tenho que ir à lavanderia… Nas temperaturas por aqui de 44 graus, uma camisa limpa cai bem! Preciso descobrir porque a temperatura do óleo esta tão alta, visto que a temperatura da cabeça do cilindro está perfeita. Infelizmente, não tem oficina nem hangar por aqui. Vou ter que trocar o filtro do óleo lá no asfalto, no sol escaldante.

© Todos os Direitos Reservados