Cuatro Vientos(Espanha)–Cascais(Portugal) – 510 km

Após as paisagens verdes da Europa mais ao norte, a secura da Espanha impressiona. Foto Gérard Moss

Após as paisagens verdes da Europa mais ao norte, a secura da Espanha impressiona. Foto Gérard Moss

14 de setembro de 2001

Antes de decolar para Lisboa, tive que travar uma batalha com os computadores da sala AIS. Não sou expert, mas também não sou leigo no assunto, mas o programa usado para fazer plano de vôo em Cuatro Vientos (diferente, claro, de qualquer outro que usei na Europa) parecia contradizer qualquer lógica. Sem ajuda, estaria ainda em Madrid.

A distância para Cascais é apenas 280 nm (510 km), o que normalmente seria um vôo de menos de três horas, mas coloquei 3½ horas no plano de vôo para me dar uma margem. Errei para menos, não devido a desvios por tempestades, nem discussões sobre aerovias, nem ventos de proa inesperados. Levei 4½ por um motivo muito simples. O prazer de voar. Naquela tarde quente, as condições para planeio eram soberanas, me presenteando com longos períodos de silêncio puro. De vez em quando, encontrei uma ascendente – o elevador fornecido pela Natureza – que me levava para cima a 1000 pés por minuto. Voei com grupos de urubus, e me diverti dando voltas com eles. Não tinham medo, ao contrário, eram curiosos. Se a hélice estivesse em movimento, teria enfartado várias vezes!

Aí, cheguei nas chapadas e o Parque Nacional Monfragüe, com extensivas paredes naturais. Mantive meu rumo ao oeste em linha direta sem perder altitude. Aposto que poderia ter alcançado a costa do Atlântico sem ligar o motor. Me divertia muito, estava feliz da vida e poderia ter ficado ali muitas horas. Mas a função Tempo de Vôo no transponder digital GTX 327 me avisou que já estava no ar havia mais de três horas e que estava somente no meio do caminho a Lisboa. Como não falei com nenhum controlador desde que sai de Madri, fiquei preocupado que alguém ia soar um alarme e começar a me procurar. Liguei o motor, coloquei toda a potência e aproei a cidade fronteiriça de Badajoz, onde avisei a freqüência da Torre do meu novo tempo estimado de chegada.

Ao me aproximar da zona controlada de Lisboa, avisei ao controlador que não estava familiarizado com os procedimentos VFR do local. Era exatamente a mesma situação que passei ao chegar perto de Madri no dia anterior. O controlador português era bem mais atencioso que seu colega espanhol: em seguida, me deu um código transponder e vetorização direta para o aeroporto de Cascais, passando por cima de mais quatro aeroportos. Não me dei conta da força do vento até que a Torre me informou as condições para o pouso – vento constante de 27 nós, com rajadas de 30 (55 km/h). Na perna final, o Ximango foi jogado para cima e para baixo como de fosse uma folha. A experiência que tive em Iraklion me ensinou a passar alto por cima da cabeceira e somente tentar pousar na pista bem mais longe. Boa idéia. Senti o avião afundar: 1500 pés/minuto no variometro, em parte devido aos aerofreios plenamente ativados. Descobri que, em situações de vento forte, era a única maneira de trazer este avião, com sua enorme envergadura de 17 metros, para perto do chão. Botei plena potência para evitar bater, mas o Ximango foi pego num rajada repentina que nos jogou pro alto novamente, numa velocidade no ar perigosamente baixa.

Foi obrigado a baixar o nariz para ganhar velocidade e me vi centímetros do solo. Instintivamente, arredondei e as rodas tocaram suavemente… Mas sabia que íamos ser jogados novamente pro alto se eu não tomasse alguma providência drástica: aerofreio e controles para baixo, obrigando o avião a ficar no asfalto. Funcionou. Aí, o problema foi taxiar a aeronave. Pode parecer simples, mas tive que usar muito motor e trabalhar duro nos freios para seguir a direção que eu queria.

No estacionamento, lutei primeiro com o canopy, e depois com o trabalho de dobrar as asas naquele vento forte. Por fim, as asas estavam dobradas e eu estava amarrando o avião quando ouvi uns barulhos fortes e repetidos. Ambas as asas dobradas estavam subindo e descendo. Corri para procurar ajuda para segurar as asas até poder amarra-las com corda. Antes de começar a volta ao mundo, levantei essa hipótese com o pessoal da Aeromot e todos chegamos a conclusão que as asas não iriam se levantar sozinhas. Era a primeira vez que isto tinha acontecido.

Devido às novas regras impostas como resultados da tragédia em Nova York, António Faria e Melo e Delfim Costa não puderam entrar no pátio apesar de serem pilotos e bem conhecidos em Cascais! A paranóia já está generalizada. Estavam me esperando atrás do portão de segurança, junto com Vitor e Antônio da Victorinox, e Gonçalo, diretor do Aero Club de Portugal que me presenteou com uma placa comemorativa. Conheci António e Delfim há um ano, na reunião dos Earthrounders em Oshkosh, EUA. António, preso a uma cadeira de rodas após um erro na mesa de cirurgia, deu volta ao mundo sozinho em um Bonanza em 1995, o segundo aviador de cadeira de rodas a realizar esse feitio. Por mais esperto que a gente pensa que é, sempre tem uma outra pessoa para nos dar uma lição de humildade.

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