Nha Trang–Ho Chi Minh (Vietnã)–U-Taphao (Tailândia) – 875 km

O ZAM "detido" no aeroporto de Nha Trang, Vietnã.

O ZAM “detido” no aeroporto de Nha Trang, Vietnã.

14 de agosto de 2001

Quando aterrissei, antes mesmo de me permitirem ir ao banheiro (depois de 11 horas no ar) me mandaram escrever um relatório com três cópias usando papel carbono, explicando porque eu tinha pousado sem permissão no aeroporto. Escrevi a pura verdade: que a aeronave não poderia aterrissar à noite e a gasolina estava terminando. Que, para salvar minha vida, tomei a decisão de pousar mesmo sabendo que não tinha permissão das autoridades. Que estava contando com a compreensão deles em ajudar um piloto solitário em dificuldades com o tempo e muito cansado depois de 11 horas e 20 minutos de vôo.

Uma hora depois do pouso, e ainda nenhuma pessoa havia dado um sorriso para mim. Fui tentando ganhar a simpatia deles explicando minha situação difícil, brincando com eles, perguntando seus nomes. Estava tão cansado que até isso me exigia muito esforço, mas valeu a pena porque enfim a maioria deles começou a ser mais receptiva. Finalmente, ficaram bem humorados como é o povo vietnamita em geral. O gerente do aeroporto é o único que em nenhum momento abriu um sorriso durante toda a minha estadia em Nha Trang.

O chefe da polícia mandou “lacrar” a aeronave (que por sinal também estava sob custódia) com fita adesiva, dizendo que só poderia ser reaberta à minha partida, seja quando isso pudesse acontecer. Um guarda foi alocado para vigiar a aeronave durante toda a noite e luzes especiais foram montadas nos trolleys de bagagem. Acho que eles temiam que eu tentasse fugir na calada da noite!

Disseram que eu podia dormir no chão do terminal, o que não me incomodou nenhum pouco. Estava muito cansado depois de acordar naquele dia às 02h45, voar 11h20 e ainda enfrentar toda esta encrenca. Infelizmente, meu saco de dormir estava dentro do avião lacrado. Estava pronto para desmaiar no chão da maneira que estava, até que alguém generosamente sugeriu que eu poderia usar a sala VIP. Então em questão de momentos, fui promovido de espião para VIP! Um sofá preto virou meu berço. Dormi como uma pedra.

De manhã cedo, já tinha gente em volta da aeronave, o que me deixou um pouco nervoso. Tinha receio de como interpretariam o equipamento da pesquisa ambiental que tinha a bordo. Eu não sabia quanto tempo levaria para me liberarem e expliquei que precisava voar bem cedo para evitar os mesmos problemas com mau tempo. Para minha surpresa, as coisas tinham progredido durante a noite. O Chefe de Segurança Nacional que me interrogou na véspera tinha passado tudo para seus chefes em Ho Chi Minh e eles prometeram uma solução pela manhã. Fiquei cheio de esperança e Hao, que estava atuando como meu intérprete, gentilmente foi pegar 20 litros de gasolina para mim em sua lambreta. Então misturamos isso como resto da Avgas colocado em Macau.

De repente às 7h00, estava liberado! Fiz uma rápida foto de Hao e Kiem, o guarda e soltamos os “lacres” do canopy. Eu queria sair de lá o mais rápido possível e por isso nem fiz os cheques do motor. Naquele instante, quatro jatos militares decolaram e só então percebi que a metade deste aeroporto era uma base militar. Ihhhh!

Meu novo amigo controlador Thao me deu “Livre decolagem” e fui, subindo num céu azul. Agora minha grande preocupação era saber quanta encrenca me esperava em Ho Chi Minh.

O que eu disse ontem sobre vento de cauda? Agora com vento de proa, demorei 02h30 para voar os 225 km a Ho Chi Minh. O controlador ficou me vetorando e me passando altitudes que totalmente desrespeitavam o fato de eu estar voando em condições visuais e ter que me manter longe das nuvens (pequenos CBs nesta hora do dia). O radar deles trabalha extremamente bem, porque me contatavam a cada vez que eu desviei um pouco do rumo indicado. Ao final, falei devagar e claramente que estava obedecendo às regras do meu país com respeito ao meu avião, permanecendo em condições visuais o tempo todo e que voaria os rumos e nas altitudes apropriados para isso.

Quando aterrissei às 09h30, muitas pessoas vieram na aeronave. Meu pressentimento, em vista do problema em Nha Trang, era prosseguir o mais rápido possível para Tailândia. Eu me comportei como se nada tivesse acontecido, realizando os trâmites normais, fiz o plano de vôo para as 11h30 e solicitei gasolina. Logo, fui presenteado com seis contas contendo pelo menos 20 itens diferentes, totalizando US$1.680,00 incluindo uma multa de US$500 pelo incidente em Nha Trang. Não havia como argumentar porque senão jamais sairia de lá. Então eu só pude rir e tirar uma foto da fila das contas, quando chegou o despachante com mais uma conta a pagar!

Voltei para o Ximango, esperando a gasolina. Quando, eram 11h15, ainda não havia nenhum sinal do caminhão de gasolina, retornei ao terminal. O gerente do aeroporto, Mr Nguyen Dinh Hung, falava inglês muito bem. Eu expliquei que precisava sair com urgência. Ele disse que a entrega do Avgas tinha que ser liberada pelas autoridades que estavam enfiados em uma reunião. Comecei a ficar nervoso novamente, sabendo que todo este tempo perdido me causaria sérios problemas com mau tempo novamente durante o vôo até a Tailândia.

Um velho caminhão russo chegou 10 minutos mais tarde. Eu nem sequer perguntei o preço. Mesmo sendo US$10 o litro, teria pago. Quando já estava subindo a bordo, um oficial da Segurança Nacional se aproximou. Ele começou a me interrogar novamente, perguntando porque eu tinha ido para Nha Trang. Eu fui super abrupto e finalmente me livrei dele. Decolei às 13:00, uma péssima hora do dia para começar um vôo de mais de 4 horas. Já havia muitos CBs todos ao redor e iam engrossar ao longo do dia. Eu não estava muito feliz com esta situação. Nos 800 km da rota, sem duvida algum CB gigante ia fechar minha passagem, como aconteceu na minha primeira tentativa em alcançar Ho Chi Minh no dia anterior.

É difícil demonstrar a força destas tempestades nas fotos. Elas não soltam raios como as nossas tempestades no Brasil, mas os ventos e a turbulência são aterrorizantes. Como era de esperar, encontrei um CB fechando meu caminho perto da fronteira com a Camboja. Eu desviei pelo mar. É desconcertante voar a 500 pés na direção errada, vendo a distância ao meu destino no GPS ficar cada vez mais longe. Passou uma hora antes que eu pudesse fazer uma curva e voltar ao rumo certo.

Mais ventos de proa, nesta hora 15 a 25 nós (até 45 km/h)! O que significa uma velocidade no solo de apenas 80-90 nós, logo agora que estava com pressa. Coloquei potência máxima. Não estava conseguindo fazer nenhum contato no rádio desde que sai do controle de Ho Chi Minh porque o rádio HF de repente apresentou uma falha. Corta depois de 10 segundos de transmissão. Eu finalmente consegui fazer contato VHF com a Tailândia.

Pousei em U-Taphao às 18h00, algo como 20 minutos antes do por do sol! Aqui foi uma base militar americana, e ainda existem aeronaves americanas por aqui, incluindo o avião espião Orion P3. Tom, o despachante da Thai Airways, me deu uma mão de graça. O agente da Imigração já tinha ido para casa, mas Tom me disse que era amigo dele, então “no problem”. Eu poderia fazer os trâmites no dia seguinte! Sem encrenca. Que diferença de atitude! Ele me levou até um enorme hotel com vista para o mar. Está vazio – estação de chuva! Toda a recente tensão me deixou completamente exausto. Então depois de me refrescar com um delicioso banho, comi uma sopinha tailandesa e arroz com frango, capotei as 9h da noite! ZZZZZZZZZ!!!!!

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