Cidade de Panama-Sirena

Um navio transita pelo famoso Canal do Panamá. Foto Gérard Moss

Um navio transita pelo famoso Canal do Panamá. Foto Gérard Moss

27 de fevereiro – 20 de março, 1997

ROTA: Panamá: Cidade do Panamá (Paitilla), La Palma, El Real, Mamitupu, Isla Tigre, Bocas del Toro, Puerto Armuelles, David. Costa Rica: San José, Mañanitas, San José, Puerto Jiménez, Sirena.

Da densa bruma branca, surgiu a aglomeração de arranha-céus, ao lado do aeroporto de Paitilla. A parte velha da cidade – uma barafunda altamente povoada de prédios e igrejas coloniais – é conhecida por Casco Viejo. Do outro lado da cidade, fica Panamá Vieja, uma ruína do vilarejo original, que foi saqueado e destruído pelo corsário galês Henry Morgan, em 1671.

A construção do Canal, terminada em 1914 a custo de milhares de vidas, é uma incrível obra de engenharia física e política. Pelas eclusas, os navios chegam a 26 metros acima do nível do mar, para depois descerem suavemente até o oceano do outro lado, junto com 52 milhões de galões de água doce – triste desperdício de um bem tão precioso. Pagam cerca de 75 mil dólares. Durante décadas, o canal serviu aos Estados Unidos como um ponto lucrativo e estratégico. No ano 2000, termina a mordomia e o Panamá recuperará plena jurisdição. Gérard, que durante anos trabalhou com afretamento marítimo, ficou feliz quando surgiu a oportunidade de subir duas eclusas do Canal num veleiro e ver de perto a operação das mesmas.

El Darién, a província panamenha que faz fronteira com a Colômbia, é um mundo à parte. Era apropriado que pousássemos primeiro na pista – oficialmente de 700 metros – de La Palma onde um morro com árvores e postes de luz despenca sobre a cabeceira de aproximação. É preciso frear bruscamente para não cair no mar lodacento no final da pista. Como um aviso, as cruzes no cemitério ao lado da pista brilham ao sol.

Sobrevoando o Darién, percebemos por toda a extensão da Rodovia Panamericana até seu fim abrupto em Yaviza, como a chegada de uma estrada permite a ação dos colonos que derrubaram as florestas gloriosas onde vivem comunidades de índios. Os Embera e Wounaan moram em plataformas altas, onde dormem em redes, debaixo de grandes tetos de palha.

O idílico arquipélago San Blas, onde moram os índios Kuna, fica na costa caribenha do Panamá. Eles fazem de tudo para evitar a contaminação de suas tradições pelo século XX. As casas de estacas de madeira e teto de palha cobrem totalmente as pequenas ilhas. “Nós Kuna povo pequeno” disse Pablo, na ilha de Mamitupu. Apesar dos homens terem adotado a roupa ocidental, as mulheres continuam usando os trajes tradicionais. Tornozelos e braços finos são marcas de beleza, então, elas os amarram com fios decorativos. Em cima dos pareôs, usam blusas coloridas com mangas largas e corpetes apertados, enfeitados de molas com intrincados desenhos bordados.

Quando voltamos à tarde para acampar no aeroporto — uma nesga de concreto com 550 metros no continente — entendemos por que os Kuna moram nas ilhas. É para fugir das chitras, minúsculas moscas que atacam ao nascer e ao pôr do sol! Têm uma picada feroz que deixa as pessoas se coçando durante semanas. Costa Rica tem é um país cheio de vulcões, muitos dos quais são ativos. No caso dos vulcões de Poás e Irazú, é possível subir de carro até o cume, para dar uma olhadinha nas crateras fumegantes. Há muitos anos o país é conhecido como um exemplo para outras nações do mundo em termos de proteção do meio ambiente. O governo preservou 25% do país a título de parques nacionais e refúgios de animais silvestres. Comparemos isto com o Brasil, também rico em belezas naturais, onde menos de 5% da superfície está protegida da depredação humana — e olhe lá que proteção!

Perto da fronteira com o Panamá, visitamos o Parque Nacional Corcovado. A sede fica em Sirena, onde, segundo as autoridades aeronáuticas, a pista de pouso teria 650 metros. Um piloto em Puerto Jimenez nos avisou que na verdade teria provavelmente apenas 550 metros. Avisou também que havia uma muralha de árvores de 35 metros na cabeceira de aproximação e, no fim, tinha uma vala que cortava a pista antes do fim. Resolvemos fazer uma tentativa.

Conseguimos, mas foi um pouso bastante assustador, quicando nos buracos da pista. Os freios pareciam não surtir qualquer efeito na grama molhada. Porém, Romeo nem pensava em passar pelo vexame de cair numa vala, e finalmente parou, com a insistência de Gérard. Suando muito, ele pulou para fora do avião e começou a medir a pista aos passos: não eram 650 nem 550. Meros 420 metros! Que diabos íamos fazer para levantar vôo de novo?

Enquanto pensávamos no assunto, fomos desfrutar da selva intocada, passeando pelas trilhas, escutando os sons e cantos de animais e pássaros… As árvores Espavel, com 50 metros de altura, são como edifícios de apartamentos para os habitantes da floresta. Grupos de macacos-aranha e de macacos-esquilo passavam pelas copas, barulhentos. Ao entardecer, tempestades de mosquitos lançaram-se para um ataque que durou a noite toda. Nos debatemos e coçamos até amanhecer enquanto ouvíamos, desconsolados, a chuva caindo no teto de zinco. Com a pista molhada seria ainda mais difícil decolar. Nós poderíamos sair a pé, mas e o Romeo?

Cedo na manhã seguinte, empurramos ele para trás para aproveitar os últimos centímetros de grama antes mesmo do começo oficial da pista. Esquentamos bem o motor, respiramos fundo, suamos bastante e soltamos os freios. Após a chuva forte, foi difícil ganhar velocidade no solo molhado. Felizmente, um certo morrinho no final da pista serviu de trampolim e, com a ajuda da aplicação brusca dos flaps, Romeo saiu do chão com espírito de verdadeiro Sertanejo, a poucos metros da praia.

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